Dado que a língua é algo de uso contínuo e rotineiro, as vezes não percebemos a variedade de recursos linguísticos que usamos a todo tempo, que dá essa dinamicidade a língua. Um desses recursos são as figuras de linguagem, e neste texto vamos explorar a metonímia.
As figuras de linguagem, grosso modo, servem para ressaltar algo que escrevemos ou dizemos e dar mais fluidez e beleza a linguagem. Nesse contexto, a metonímia aparece como um dos recursos mais comumente utilizados por nós.
Pense na seguinte situação, ao lavar as panelas depois do almoço, você percebe que as panelas estão muito sujas para serem limpas apenas bom a bucha, então você pega um “Bombril” para facilitar o trabalho, certo?
Certo, mas repare que o nome do objeto, de forma genérica, não é “Bombril” e sim, esponja de aço. Mas a marca já é tão difundida no nosso cotidiano, que mesmo que outra marca seja usada, chamamos o produto por esse nome. E isso é um tipo de metonímia.
Se ainda não ficou tão claro, calma, ainda vamos discutir sobre mais especificidades dessa figura de linguagem ao longo do texto, vamos prosseguir? Para começar, do que se trata a metonímia?
O que é metonímia
Entenda que “metonímia” (metonymía) é uma palavra de origem grega, constituída pelos termos “meta” (mudança) e “onoma” (nome), que em sentido literal significa “mudança de nome”, mas que em uma tradução adaptada também pode ser entendida como “além do nome”.
E como vimos no cenário anterior, basicamente, podemos definir a metonímia como uma figura de linguagem, ou de palavra, caracterizada pela substituição de um termo por outro, quando entre ambos há uma relação de proximidade ou ligação de sentidos que permite essa troca.
A partir disso temos os seguintes tipos de metonímia nos quais substituímos:
- parte pelo todo,
- qualidade pela espécie,
- singular pelo plural,
- matéria pelo objeto,
- indivíduo pela classe,
- autor pela obra,
- possuidor pelo possuído,
- lugar pelo produto,
- efeito pela causa,
- continente pelo conteúdo,
- instrumento pelo agente,
- coisa pela sua representação,
- inventor pelo invento, e
- concreto pelo abstrato.
Por exemplo, quando vemos em algum lugar alguém dizer que foi em um restaurante e “comeu um prato delicioso”, entendemos que esta pessoa não comeu o objeto prato, mas a comida preparada que foi servida nele.
Ou quando falamos que “assistimos um filme do Tarantino”, não quer dizer que vemos uma documentação audiovisual da vida desse diretor de cinema, mas sim que assistimos um filme que foi dirigido por ele.
Além disso, a metonímia também aparece na linguagem visual, sobretudo em placas e sinalizações. Por exemplo, uma placa com desenho de talheres (colher e garfo) representa “restaurante”.
A partir desses exemplos, podemos perceber, também, que a metonímia é um recurso que emprega linguagem figurada, isto é, o que é dito, escrito ou representado não está no seu sentido literal (denotativo), mas sim de forma representativa.
Além disso, a metonímia é um recurso linguístico que surge da necessidade dos falantes ou de quem escreve de dar mais ênfase à comunicação, a mensagem que eles pretendem passar para os interlocutores ou leitores.
Diferença entre metonímia e metáfora
Alguns estudiosos da língua portuguesa consideram a metonímia como uma forma de manifestação da metáfora. Mas os processos de formação dos sentidos dessas duas figuras de linguagem são diferentes.
Enquanto a metáfora forma sentido por meio de um processo de associação de ideias, semelhança, analogia e comparação mental, a metonímia é criada por meio da relação objetiva entre o plano original e figurativo do termo. Mas como assim?
Vamos começar considerando um exemplo com metonímia. Quando dizemos que “fulano tem 400 cabeças de gado”, sabemos que não se trata de uma pessoa que possui somente a cabeça do animal, mas ele inteiro. Então, perceba que usamos parte do referencial concreto, ou seja, há uma relação física, de continuidade entre o termo usado e ao que ele se refere por inteiro.
Já com a metáfora essa relação é diferente. Quando falamos que “isso é apenas a ponta do iceberg”, não estamos nos referindo ao iceberg inteiro ou algo do tipo, nós estamos deslocando o sentido do termo para representar algo em um contexto diferente. Ou seja, o termo original e onde ele foi empregado não possuem nenhuma relação ou conexão entre si.
Então o único ponto comum entre essas duas figuras de linguagem, metonímia e metáfora, é que elas estabelecem relação entre dois termos. Mas lembre-se! Que a forma como essa relação de sentido é construída em cada uma delas é diferente!
Metonímia | Metáfora |
---|---|
Ligada à substituição de termos e tem ligação direta com o que representa (“substitui”). | Existe uma comparação entre o termo usado e o concreto, em uma relação de equivalência que podemos perceber no discurso. |
Exemplo: Comprei Maisena para fazer mingau. | Exemplo: Romão é um gato. |
A palavra “maisena” é uma marca, que substitui o lugar do produto, que no caso é o amido de milho. | A beleza de Romão é comparada de maneira implícita com a beleza de um gato. |
Variação de metonímia
Agora que sabemos o que é a metonímia e como ela se difere da metáfora, vamos aprender que ela possui duas variações: antonomásia e a metalepse. Mas do que se trata essas variações?
A palavra antonomásia é composta por dois termos gregos anti = contra e onyma = nome, que resultam no termo “antonomasía” que deriva de “antonomázein”, que significa “chamar alguém por um novo nome”.
A partir disse entendemos que essa variação da metonímia consiste na substituição do nome ou expressão por outro que tenham relação entre si, mais precisamente no nome próprio de uma pessoa, cidade, país, por uma qualidade ou característica notória sobre ele.
No caso da antonomásia é importante ter atenção, pois uma vez que se trata de um nome próprio a grafia precisa vir em iniciais maiúscula, com exceção dos vocábulos átonos. Veja os exemplos a seguir:
- Esta rua tem o nome do Pai da Aviação. (Santos Dumont)
- “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” (Jesus Cristo)
- Vamos aprender hoje sobre o rei da selva. (leão)
Já a metalepse, que vem do grego “metálepsis” que significa “tomada posterior”, é uma figura de linguagem que explora as relações lógicas de continuidade de sentido para expressar o termo antecedente pelo consequente, ou a causa pela consequência.
Em outras palavras, essa variação trata dos termos que possuem uma conexão física, elas expressam uma extensão de um atributo que um objeto ou pessoa possuem, para construir a relação de sentido, observe os exemplos abaixo:
- Vou comprar uma casa com o suor do meu rosto. (trabalho árduo, resultado do esforço de trabalho)
- “Sonorosas trombetas incitavam/ Os ânimos alegres, ressoando” – Os Lusíadas, Camões. (é o som do instrumento e não ele em si que incita as pessoas)
- “Amor meu, alegria minha, como permitis ser eu tão atormentado com a dor?” – Filipe da Luz. (existência da mulher amada)
Tipos de metonímia
Até aqui entendemos que a metonímia é uma figura de palavra, na qual empregamos um termo que substitui outro que possui uma relação de continuidade entre eles. Mas quais são os tipos de substituição realizados pela metonímia?
- A parte pelo todo (ou vice versa)
Verônica descobriu que Pedro é um coração amargo e cheio de ressentimento.
(o termo “coração” faz referência à pessoa, Pedro.)
Francisco Almeida era dono de inúmeras cabeças de gado.
(a palavra “cabeças” é usada para substituir “bois inteiros”.)
Gerônimo completou 50 primaveras.
(o termo “primaveras” serve para substituir o ciclo de um ano.)
- O autor pela obra
Só li Machado de Assis para fazer o vestibular
(o nome do autor é usado para substituir o nome ou o conjunto de obras.)
Deram um Cezánne para o dono da galeria.
(essa substituição dá ênfase a importância da pintura que foi dada de presente.)
Gosto muito de Homero.
(o nome do autor faz referência a suas obras.)
- O continente (recipiente) pelo conteúdo
Comeu dois pratos de strogonoff sozinho!
(os “pratos” são uma extensão do que eles contêm.)
Gostaria de um copo d’água, por favor.
(a palavra “copo d´água” se refere a um copo COM água.)
Ela bebeu uma garrafa toda de refrigerante de uma vez!
(o temo “garrafa” refere-se ao líquido que estava dentro dela)
- O singular pelo plural
O francês é educado.
(“francês” substitui “as pessoas de origem francesa”.)
O cidadão foi às ruas lutar pelos seus direitos.
(a palavra “cidadão” se refere a vários cidadãos)
A mulher foi chamada para ir às ruas na luta pelos seus direitos.
(o termo “mulher” trata a todas as pessoas que se identificam com esse gênero.)
- O possuidor pelo possuído (ou indivíduo pela classe)
João sabe que vou ao cabeleireiro todas as quintas-feiras.
(o nome do profissional faz referência ao seu local de trabalho, o “salão de beleza”.)
Hoje nasceu mais um Van Gogh.
(o nome do artista substitui a expressão “um grande artista”.)
Pegaram ele para Cristo da turma.
(o nome substitui o termo “mártir”.)
- O lugar (ou marca) pelo produto
Poderia pegar no armário aquele cotonete?
(usamos o nome da marca “cotonete” para falar de hastes flexíveis.)
Essa receita pede leite moça?
(neste caso a marca “leite moça” substitui leite condensado.)
Mesmo idosa Letícia toma tódinho todos os dias.
(a marca Todynho se refere ao leite achocolatado.)
- O concreto pelo abstrato (ou símbolo pelo objeto simbolizado)
Use a cabeça e pare de depender dos outros.
(o termo faz referência a habilidade cerebral, a “inteligência”.)
Precisamos cuidar da infância.
( “infância” substitui “crianças”.)
Tenha fé na cruz.
(a palavra “cruz” simboliza a crença cristã, a fé em Deus.)
- O efeito pela causa e vice-versa
O bebê aspirou a vida pela primeira vez.
(a palavra vida faz referência ao “ato de respirar” ou “oxigênio”.)
Eu vivo do meu trabalho.
(a expressão sintetiza o entendimento de “dinheiro resultado do trabalho”.)
Eu suei muito para chegar até aqui.
(o termo em destaque substitui a expressão “trabalho árduo”.)
- O instrumento pelo agente (pessoa que utiliza o objeto)
Edna é boa no volante.
(a palavra “volante” substitui o entendimento de “direção de um veículo”.)
Os microfones foram atrás dos jogadores.
(o objeto faz referência aos profissionais “repórteres” que os utilizam.)
As enxadas trabalhavam incessantemente, dia e noite.
(o termo substituo os “trabalhadores do campo”.)
- O inventor pelo invento
Einstein possibilitou a teoria da relatividade.
(o nome do cientista substitui a expressão “a invenção de Einstein”.)
Édson ilumina o mundo.
(“as lâmpadas” são uma invenção de Thomas Édson.)
Finalmente comprarei um Lamborghini.
(o “carro” é representado pelo nome “Lamborghini”, sobrenome do criador da marca, o italiano Ferruccio Elio Arturo Lamborghini.)
- A qualidade (ou gênero) pela espécie
Os imortais do Olimpo foram adorados pelos gregos.
(o termo “imortais” faz referência as “divindades gregas”.)
Os mortais penam e sofrem nesse mundo.
(a palavra “mortais” substitui o termo “pessoas”.)
Os homens cometeram barbaridades.
(o termo “homens” foi usado no lugar da palavra “humanidade”.)
- A matéria pelo objeto
Encha a lata, Dionísio, e não desperdice nenhuma gota de água.
(o termo “lata” tem uma relação de continuidade com o objeto que ela forma “o recipiente”.)
Passou a vida atrás do vil metal.
(o “metal” se refere ao dinheiro.)
Comprou-lhe um diamante de noivado.
(a palavra “diamante” substitui “anel” ou “aliança”.)
METONÍMIA E SINÉDOQUE
Existem dissensos entre autores sobre se realmente é necessário, ou se há ou não uma diferença, classificar a metonímia e a sinédoque como figuras de linguagem distintas. Então este é um ponto que requer um pouco de cuidado.
Portanto, apenas a título de conhecimento, vamos tratar dessa outra possibilidade de entender a metonímia, considerando a sinédoque como um tipo específico de metonímia, ok? Então, do que se trata a sinédoque afinal?
Lembra que a metonímia é caracterizada pela substituição de um termo por outro, havendo entre os termos uma relação de proximidade ou ligação de sentidos? Assim sendo, a sinédoque estabelece essa relação de sentido de forma quantitativa, por meio do aumento ou diminuição do significado dessa palavra.
Os tipos de metonímia nos quais podemos identificar uma relação de sentido de forma quantitativa, basicamente, são os seguintes: parte pelo todo, singular pelo plural, gênero pela espécie, o particular pelo geral (ou vice-versa).
Enquanto isso, a metonímia, numa visão geral, essa associação de sentidos é estabelecida de forma qualitativa, dando a entender que existe uma ligação de proximidade entre os termos. Podemos sem identificadas nas relações de: causa pelo efeito, continente pelo conteúdo, autor pela obra, lugar pelo produto, instrumento pela pessoa que o utiliza, etc.
Conseguiu notar como essa diferença entre as figuras é bem pequena? Mas caso ela seja cobrada, atente-se para os tipos de metonímia que cabem dentro da classificação da sinédoque para ajudar a determinar uma “diferença”.
Exemplos de metonímia
Estamos quase no fim desse passeio pelos usos, tipos e diferenciações da metonímia (substituição de um termo/expressão por outra, havendo entre eles algum tipo de ligação) para ajudar a fixar o entendimento abaixo seguem mais exemplos dessa figura de linguagem:
- Leio Jane Austen desde a adolescência.
(Leio os livros escritos por Jane Austen desde a adolescência.) - O empreiteiro precisava de muitos braços para a demanda daquele mês.
(O empreiteiro precisava de muitas pessoas para a demanda daquele mês.) - No último casamento que fui, serviram um prato delicioso de entrada.
(No último casamento que fui, serviram uma comida deliciosa de entrada.) - Vamos assistir a um Godard no próximo evento.
(Vamos assistir a um filme feito por Jean-Luc Godard no próximo evento.) - Sempre compramos um McDonald’s depois das festas.
(Sempre compramos um sanduíche do McDonald’s depois das festas.) - Depois de muitos anos juntos, finalmente começaram a dividir o mesmo teto.
(Depois de muitos anos juntos, finalmente começaram a morar na mesma casa.) - Vi um Picasso quando viajei para Barcelona.
(Vi uma pintura feita por Pablo Picasso quando viajei para Barcelona.) - Bebeu duas garrafas de vinho e ainda queria mais.
(Bebeu todo o vinho que estava nas garrafas e ainda queria mais.) - Depois da cerimônia, o cálice foi compartilhado por todos.
(Depois da cerimônia, o a bebida que estava no cálice foi compartilhada por todos.) - Não importa o que aconteça, não te afastes da cruz.
(Não importa o que aconteça, não te afastes da religião.) - E Romeu bebeu a morte, para juntar-se a Julieta.
(E Romeu bebeu veneno, para juntar-se a Julieta.) - A balança jamais deve pender para o lado que favoreça a injustiça.
(O Poder Judiciário jamais deve pender para o lado que favoreça a injustiça.) - Tudo o que conquistaram foi com suor e lágrimas.
(Tudo o que conquistaram foi com muito trabalho e lutas.) - Fumei um saboroso havana que ganhei de presente de aniversário.
(Fumei um saboroso charuto que ganhei de presente de aniversário.) - A estação das rosas, a cada ano, renova nosso ânimo e esperança.
(A primavera, a cada ano, renova nosso ânimo e esperança.) - Várias silhuetas passavam apressadamente, deixando-o atordoado.
(Várias pessoas passavam apressadamente, deixando-o atordoado.) - Essas são as primeiras imagens do homem na Lua.
(Essas são as primeiras imagens dos astronautas na Lua.) - Em muitas ocupações, a mulher continua ganhando menos do que o homem.
(Em muitas ocupações, as mulheres continuam ganhando menos do que os homens.) - Vivo no campo e como do meu trabalho.
(Vivo no campo e me alimento do que produzo.) - Por ser muito vaidoso, ele vai ao barbeiro uma vez a cada 20 dias.
(Por ser muito vaidoso, ele vai à barbearia uma a cada 20 dias.) - Eles sempre se mantiveram fiéis à bandeira.
(Eles sempre se mantiveram fiéis à pátria.) - A juventude precisa se posicionar frente aos problemas ambientais.
(As pessoas jovens precisam se posicionar frente aos problemas ambientais.) - Meus filhos adoram danone.
(Meus filhos adoram iogurte da Danone.)
Antes de partir para os finalmente, que tal aproveitar esses exemplos para praticar um pouco? Tente classifica-los segundo o tipo de metonímia.
Vídeos sobre metonímia
Metonímia – Aula 11 (Figuras de Linguagem)
Este vídeo do Professor Rodrigo faz parte de uma sequência sobre figuras de linguagem. Caso alguns conceitos e explicações do texto ainda ficaram vagos esse conteúdo pode ajudar a revisar e fixar o que você acabou de ler. Dê uma conferida!
Figuras de Linguagem – Metáfora e Metonímia
Além de explicar a diferença entre metáfora e metonímia, o Professor Rian também aborda conceitos e entendimentos básicos sobre do que se tratam as figuras de linguagem. Então, este vídeo pode te ajudar a entende como e porque empregamos essas figuras e como elas são parte essencial na construção de sentidos no nosso texto.
Antonomásia – o que é isso? Entenda em menos de 1 minuto!
Segura só mais um pouquinho e veja esse vídeo do Professor Pedro sobre a antonomásia. Além de ser uma explicação bem simples e objetiva, ele nos lembra porque esse recurso das figuras de linguagem deve ser aplicado em produções textuais.