O samba é um ritmo musical brasileiro que surgiu no início do século 20 e, desde então, passou a ser uma das grandes referências quando o assunto é a cultura nacional. Sua história é repleta de entraves, questões políticas e raciais.
Apesar do estigma que carregou e ainda carrega em determinadas ocasiões, o samba acabou se tornando patrimônio cultural imaterial do país, sendo hoje motivo de orgulho e admiração.
O que é o samba?
Samba é o nome dado a um gênero musical nacional que teve origem dentro das comunidades afro-brasileiras, especialmente no Rio de Janeiro, e que, no começo, era uma espécie de dança de roda com músicas feitas a partir do batuque.
Com o tempo, o batuque do samba passou a ser incrementado pelo uso de instrumentos que se tornaram a marca desse estilo musical: pandeiro, cavaquinho, triângulo, cuíca, surdo, violão, tamborim, reco-reco, ganzá, entre outros.
Depois da década de 1930, quando as escolas de samba começaram a surgir, o ritmo se tornou ainda mais popular e suas músicas mais famosas passaram a fazer sucesso em outras regiões do Brasil, principalmente em razão dos programas de rádio.
Não demorou para que o samba fosse classificado em sub-gêneros, como pagode, samba-enredo, samba de gafieira e bossa nova e, claro, para que fosse associado à maior festa do país, que é o Carnaval.
Qual é a origem do samba?
Como citamos anteriormente, o samba tem suas raízes na cultura afro-brasileira, e o ritmo começou a ficar popular no começo do século 20. Suas letras inicialmente falavam a respeito da vida cotidiana dos moradores das grandes cidades, abordando questões sociais e de raça.
O batuque, que é a base para o ritmo do samba, foi trazido ao Brasil pelos povos africanos escravizados e, combinado com ritmos de origem europeia (como a polca, a valsa e o minueto), deu origem ao gênero musical que é um dos grandes símbolos da cultura nacional.
Ainda que o samba tenha suas origens ligadas ao Rio de Janeiro, alguns historiadores defendem que o estilo musical surgiu no Recôncavo Baiano, na segunda metade do século 19, onde as pessoas tinham o costume de fazer rodas para batucar, cantar e dançar — esse tipo samba é chamado de samba de roda.
O fato é que a abolição da escravatura permitiu que muitos negros, agora em liberdade, fossem buscar oportunidades de trabalho na capital do país, que era o Rio de Janeiro. Lá, era comum que essas pessoas se reunissem em terreiros instalados nos bairros Saúde, Estácio e Gamboa, entre outros, para fazer rituais religiosos e encontros que proporcionassem momentos de diversão e lazer.
Nos terreiros, as chamadas “tias baianas” do Candomblé eram as responsáveis pelas rodas de samba, que aconteciam de maneira clandestina, pois, na década de 1920, era proibida a realização de festas para exaltar a cultura afro-brasileira, que, por motivos racistas, era vista como imoral.
Algumas das tias baianas mais famosas são Amelia e Ciata. Desse período, o samba “Batuque na cozinha” retrata a forma de exploração que as pessoas negras sofriam em todas as esferas sociais e a maneira como os brancos julgavam o samba como um movimento inferior e indigno.
A música “Pelo telefone”, que se tornou um samba carnavalesco em 1917, foi um dos grandes marcos do ritmo no país, que ainda via o estilo musical como marginal e imoral e sofria repressão social e política.
O fato foi que “Pelo telefone” foi um enorme sucesso nacional e, a partir de então, mais e mais pessoas começaram a se interessar pelo samba, que começou a ser tocado também fora das rodas de dança. Em 1920, o samba teve seu primeiro grande compositor, Sinhô, que ficou conhecido pela alcunha de “rei do samba”.
“Pelo telefone”, Donga (1916)
O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar
Que na Carioca tem uma roleta para se jogar
O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar
Que na Carioca tem uma roleta para se jogar
Ai, ai, ai,
Deixa as mágoas para trás ó rapaz
Ai, ai, ai,
Fica triste se és capaz, e verás.
Ai, ai, ai,
Deixa as mágoas para trás ó rapaz
Ai, ai, ai,
Fica triste se és capaz, e verás.
Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso
Roubar amores dos outros
E depois fazer feitiço.
Ai, a rolinha / Sinhô, Sinhô
Se embaraçou / Sinhô, Sinhô
Caiu no laço / Sinhô, Sinhô
Do nosso amor / Sinhô, Sinhô
Porque este samba, /Sinhô, Sinhô
É de arrepiar, /Sinhô, Sinhô
Põe a perna bamba / Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar / Sinhô, Sinhô
O “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Não fazer tolice,
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse que não disse.
Mas “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Não fazer tolice,
Que eu então saísse
Dessa esquisitice
De disse que não disse.
Ai, ai, ai,
Deixa as mágoas para trás ó rapaz
Ai, ai, ai,
Fica triste se é capaz, e verás.
Ai, ai, ai,
Deixa as mágoas para trás ó rapaz
Ai, ai, ai,
Fica triste se é capaz, e verás.
Queres ou não / Sinhô, Sinhô,
Vir pro cordão / Sinhô, Sinhô
Ser folião / Sinhô, Sinhô
De coração / Sinhô, Sinhô
Porque este samba/ Sinhô, Sinhô
É de arrepiar / Sinhô, Sinhô
Põe a perna bamba / Sinhô, Sinhô
Mas faz gozar / Sinhô, Sinhô
Origem da palavra samba
Não existe um consenso entre historiadores e pesquisadores a respeito da origem da palavra samba, mas o mais provável é que ela tenha relação com o termo africano “semba”, usado em Angola e no Congo, e cujo significado é “umbigada”.
A umbigada, à época, era uma dança que os negros dançavam nos momentos em que se reuniam durante períodos de folga. No Brasil, o samba recebia nomes diferentes conforme a região. Veja alguns desses nomes a seguir:
- Bahia: bate-baú, samba-corrido, samba de roda, samba de chave e samba-de-barravento;
- Ceará: coco;
- Maranhão: ponga ou tambor de crioula;
- Pernambuco: trocada, coco de parelha, samba de coco e soco-travado;
- Rio Grande do Norte: bambelô;
- Rio de Janeiro: partido-alto, miudinho, jongo e caxambu;
- São Paulo: samba-lenço, samba-rural, tiririca, miudinho e jongo.
Samba na Era Vargas
Se nos primórdios o samba era sinônimo de imoralidade e seus adeptos eram perseguidos, o cenário se tornou totalmente diferente durante a Era Vargas (de 1930 a 1945). A partir daí, a popularidade do ritmo, especialmente no Rio de Janeiro, fez com que o samba recebesse atenção da indústria fonográfica do país.
Com espaço na programação das rádios, o samba caiu no gosto popular, especialmente pela sua relação direta com o Carnaval, que passou a ser a maior festividade do Brasil.
Getúlio Vargas aproveitou a popularidade do novo estilo musical para ajudar a criar uma nova identidade nacional na década de 1930. Esse movimento permitiu não apenas que o samba fosse aceito e finalmente respeitado pelo povo brasileiro, mas, inclusive, que se tornasse um material cultural bom o bastante para ser exportado.
É importante notar que essa exaltação do samba na Era Vargas também pode ser vista como uma tentativa de “embranquecer” o gênero musical, para que ele pudesse ser mais bem aceito e para que a sociedade de então, com suas raízes escravistas ainda muito fortes, pudesse se apropriar dessa cultura ao seu próprio modo.
A década de 1930 solidificou a carreira de diversos sambistas, famosos até hoje, como Noel Rosa, Ataulfo Alves e Dorival Caymmi — Noel Rosa compôs em torno de 300 músicas somente entre os anos de 1930 e 1937. Sua obra é reconhecida por trazer ao samba novos tipos de reflexões poéticas e sobre a vida cotidiana.
Principais estilos e tipos de samba
Existem estilos diferentes de samba. Cada categoria foi criada para de acordo com suas características principais. Veja:
Samba-enredo
O samba-enredo tem origem no Rio de Janeiro durante a década de 1930, quando as escolas de samba começaram a escolher uma música-tema para desfilar durante o Carnaval.
O samba-enredo é composto com base em questões sociais, políticas ou culturais, servindo como material para a coreografia e a linguagem visual utilizada pelas escolas durante os desfiles.
Samba carnavalesco
São as músicas conhecidas também como marchinhas, muito populares nos bailes e matinês de Carnaval. Alguns exemplos são: Abre Alas, Aurora, Cabeleira do Zezé, Bandeira Branca, Chiquita Bacana e Cidade Maravilhosa.
Samba-canção
O estilo samba-canção também surgiu nos anos de 1920, esbanjando letras românticas e cheias de sentimentalismo, como em “Ai, Ioiô”, de Luís Peixoto.
Samba de partido alto
Esse estilo de samba é o mais comum entre os sambistas tradicionais e que são populares até hoje. Feito muitas vezes à base do improviso, o samba de partido alto aborda a vida nos morros e regiões precarizadas, especialmente no Rio de Janeiro.
Entre os artistas conhecidos e que representam esse estilo, temos nomes como Martinho da Vila, Moreira da Silva e Zeca Pagodinho.
Pagode
O pagode surgiu na década de 1970, também no cenário cultural carioca, ganhando espaço em todo tipo de festa a partir de 1980, e se diferenciando por utilizar também alguns sons eletrônicos.
Com letras românticas e mais simples, o pagode se tornou querido em todo o país e, entre os grupos mais importantes do estilo, temos Raça Negra, Só Pra Contrariar, Art Popular, Fundo de Quintal e Negritude Jr.
Samba-exaltação
Esse estilo de samba tem letras que exaltam as belezas nacionais e são muito patriotas. As músicas costumam ter base de orquestra também, como no clássico “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso.
Samba de breque
É aquele samba cujas músicas apresentam paradas bruscas e rápidas, usadas geralmente para que o cantor faça comentários críticos ou divertidos — um dos grandes nomes quando o assunto é samba de breque é Moreira da Silva.
Samba de gafieira
Esse é outro estilo de samba que conta com acompanhamento de orquestra. Criado na década de 1940, o samba de gafieira é mais rápido, ideal para as danças de salão.
Sambalanço
Surgido na década de 1950, o sambalanço fez sucesso nas boates em São Paulo e no Rio de Janeiro, com grande inspiração no jazz. Entre seus representantes mais conhecidos, destaca-se Jorge Ben Jor.
Instrumentos musicais do samba
Além do cavaquinho, do violão e do pandeiro, que são os mais característicos, o samba também é feito à base de outros instrumentos, tais como:
Tamborim
- Reco-reco;
- Atabaque;
- Cuíca;
- Surdo;
- Tantã;
- Banjo;
- Bandolim;
- Repique;
- Agogô;
- Flauta transversa;
- Voz.
Sambistas famosos
Saiba quais são alguns dos sambistas brasileiros mais famosos:
- Noel Rosa;
- Cartola;
- João Nogueira;
- Alcione;
- Beth Carvalho;
- Lupicínio Rodrigues;
- Dona Ivone Lara;
- Bezerra da Silva;
- Ataulfo Alves;
- Carmem Miranda;
- Zé Keti;
- Tom Jobin;
- Martinho da Vila;
- Zeca Pagodinho;
- Clara Nunes;
- Almir Guineto;
- Jorge Aragão;
- Dorival Caymmi;
- Adoniran Barbosa;
- Alfredo Del-Penho.
Exemplos de samba
Como já falamos, existem diversos estilos de samba, além de nomes e músicas que não podem ficar de fora quando falamos sobre o tema. Veja abaixo alguns exemplos de artistas famosos e suas letras:
Sorriso negro, de Dona Ivone Lara
Um sorriso negro, um abraço negro
Traz….felicidade
Negro sem emprego, fica sem sossego
Negro é a raiz da liberdade
..Negro é uma cor de respeito
Negro é inspiração
Negro é silêncio, é luto
negro é…a solidão
Negro que já foi escravo
Negro é a voz da verdade
Negro é destino é amor
Negro também é saudade.. (um sorriso negro!)
Roda pião, de Dorival Caymmi
Quando a gente é criancinha
Canta quadras pra brincar
Quando fica gente grande
Ouve quadras a chorar
Como comove a lembrança
De um tempo feliz
Quando ouvimos cantar
Roda, pião
Bambeia, ô pião
O pião entrou na roda, ô pião
Roda, pião
Bambeia, ô pião
Sapateia no tijolo, ô pião
Roda, pião
Bambeia, ô pião
Passa de um lado pro outro, ô pião
Roda, pião
Bambeia, ô pião
Também a vida da gente
É um pião sempre a rodar
Um pião que também pára
Quando o tempo o faz cansar
Eu vim da Bahia, de João Gilberto
Eu vim da Bahia cantar
Eu vim da Bahia contar
Tanta coisa bonita que tem
Na Bahia, que é meu lugar
Tem meu chão, tem meu céu, tem meu mar
A Bahia que vive pra dizer
Como é que se faz pra viver
Onde a gente não tem pra comer
Mas de fome não morre
Porque na Bahia tem mãe Iemanjá
De outro lado o Senhor do Bonfim
Que ajuda o baiano a viver
Pra cantar, pra sambar pra valer
Pra morrer de alegria
Na festa de rua, no samba de roda
Na noite de lua, no canto do mar
Eu vim da Bahia
Mas eu volto pra lá
Eu vim da Bahia
Trem das Onze, de Adoniran Barbosa
Quais, quais, quais, quais, quais, quais
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Quaiscalingudum
Não posso ficar
Nem mais um minuto com você
Sinto muito amor
Mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã
Não posso ficar
Nem mais um minuto com você
Sinto muito amor
Mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã
E além disso mulher
Tem outra coisa
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar
Sou filho único
Tenho minha casa pra olhar
Só vendo que beleza, de Henricão
Eu tenho uma casinha lá na Marambaia
Fica na beira da praia, só vendo que beleza.
Tem uma trepadeira que na primavera
Fica toda florescida de brincos de princesa.
Quando chega o verão eu sento na varanda,
Pego o meu violão e começo a tocar.
E o meu moreno que está sempre bem disposto
Senta ao meu lado e começa a cantar.
Quando chega a tarde um bando de andorinhas
Voa em revoada fazendo verão
E lá na mata um sabiá gorjeia
Linda melodia pra alegrar
meu coração
Às seis horas o sino da capela
Toca as badaladas da Ave Maria
A lua nasce por de trás da serra
Anunciando que acabou o dia.
Eu tenho uma casinha lá na Marambaia
Curiosidades sobre o samba
- “Deixa Falar” foi a primeira escola de samba do país, fundada em 1928, no Rio de Janeiro;
- O Dia Nacional do Samba é celebrado a 2 de dezembro. A data é uma alusão ao dia em que o compositor Ary Barroso conheceu a Bahia;
- Noel Rosa, grande expoente do samba, era chamado também de “poeta da vila”.
Conhecer o samba, sua história e seus principais nomes é fundamental quando falamos sobre a cultura nacional. Inclusive, quando estudamos a história do Brasil em relação à escravização de pessoas negras e ao racismo estrutural. Com o passar do tempo, o samba acabou se tornando um símbolo de força, beleza e resistência.