A crônica é uma ligação entre jornalismo e literatura. De uma maneira sucinta, é dessa forma que muitos teóricos e autores do gênero a definem. A origem do nome, entretanto, tem relação familiar com o tempo e vem do grego chronikós – daí a intimidade do estilo com as narrativas do cotidiano.
Relatos históricos, como a carta de Pero Vas de Caminha, encaminhada à corte portuguesa em 1.500, algumas vezes são considerados crônicas porque, como neste exemplo, exaltam as impressões do autor a respeito do assunto – no caso da carta, o assunto era o Brasil e seus habitantes.
Características de uma crônica
Este estilo de texto tem características peculiares, que podem ser observadas pelo uso do humor, ironia, da crítica, do apelo e de outros aspectos que garantem à crônica o seu caráter opinativo dentro do jornalismo e seu caráter jornalístico na literatura.
Uma particularidade desse tipo de texto é que, geralmente, seu conteúdo adquire forma perecível. Isso se dá pelo fato de a crônica tratar de assuntos cotidianos. Quando lida muito tempo depois, há uma descontextualização e, em muitos casos, é preciso fazer um resgate histórico e cultural, para que haja compreensão do conteúdo do texto.
Ainda a respeito das características da crônica, percebe-se a liberdade usada pelo autor para a construção das sentenças. Geralmente, a crônica segue um padrão de texto narrativo, embora esse estilo não seja obrigatório. A linguagem é bastante peculiar, pois permite que o autor utilize jargões, expresse sua opinião e dê alguns toques de humor e ironia.
Para que serve uma crônica?
Considerada uma ligação entre a literatura e o jornalismo, a crônica tem a função de relatar momentos cotidianos, expressando a opinião do autor e encaixando este gênero jornalístico dentro de uma categoria conhecida como opinativa ou, ainda, Jornalismo Opinativo.
A crônica pode ser inserida, portanto, em diversos meios de comunicação e de literatura, já que o próprio estilo é uma união das duas linguagens.
Importante frisar que, apesar de estar ligada ao jornalismo, a crônica pode ser produzida com muitas outras finalidades e por qualquer pessoa que deseje se aventurar por este estilo de escrita.
Tipos de crônica
Como um gênero que une jornalismo à literatura, a crônica é uma prosa fluida que pode ser escrita de diversos tipos diferentes. Listamos alguns deles a seguir.
Crônica descritiva
Esse tipo de crônica, como o próprio nome sugere, usa da descrição de pessoas, lugares, situações para tecer seus comentários e embasar o texto.
Crônica narrativa
Semelhante à estrutura do conto, a crônica narrativa se diferencia daquele outro tipo de texto justamente pela sua característica temporal, narrando eventos atuais e sendo vista sempre como contemporânea. O narrador, no caso da crônica, também é mais presente e se destaca mais do que o narrador do conto.
Crônica dissertativa
Esse é um tipo mais solene de crônica, com um texto que trabalha acontecimentos noticiosos, com observações mais sérias a respeito de temas como política, religião, sociedade, educação, entre outros.
Crônica narrativo-descritiva
Em resumo, é um estilo de crônica que combina os elementos característicos dos gêneros narrativo e descritivo.
Crônica jornalística
Como já explicamos, a crônica é comumente relacionada ao jornalismo, e, no caso da crônica jornalística, temos um texto com características narrativas e dissertativas. Com um comentário opinativo acerca de um evento factual, a crônica jornalística promove reflexões sobre assuntos relevantes por meio de teses e argumentos.
Crônica humorística
Um exemplo de autor que produz crônicas humorísticas é Luis Fernando Veríssimo, que consegue causar riso ao narrar eventos corriqueiros, como uma discussão de namorados em um banco de praça ou um diálogo entre crianças na porta da escola.
O humor, neste caso, pode aparecer como ironia, escracho, piadas populares, jargões, hipérboles etc. Este tipo de crônica costuma ser o mais apreciado pelos leitores, e os livros lançados com coletâneas de crônicas são recheados de crônicas humorísticas.
Crônica histórica
Este estilo de crônica não fala sobre eventos atuais, mas sim sobre momentos históricos.
Crônica poética
A construção deste tipo de crônica é feita em versos, trazendo à tona as emoções mais profundas do autor.
Crônica lírica
É um estilo de escrita mais baseado na exploração de sentimentos e emoções. A crônica lírica, pode-se dizer, é uma narrativa repleta de sentimentalismo.
Crônica-ensaio
Em uma crônica-ensaio, o autor tece críticas a respeito das nossas construções sociais e dos objetos de poder.
Crônica filosófica
É uma crônica mais séria, feita para abordar reflexões a respeito dos dilemas humanos.
Principais cronistas brasileiros
Machado de Assis. Foto: Wikimedia Commons
Ler crônicas é uma atividade bastante prazerosa, e se a ideia é consumir trabalhos de cronistas brasileiros, é sempre válido conhecer melhor o trabalho de alguns grandes nomes nacionais:
- Machado de Assis: O escritor é mais conhecido por seus romances, mas a verdade é que Machado de Assis foi um grande cronista de seu tempo, falando muito a respeito de política e de eventos cotidianos. Existem mais de 600 crônicas publicadas por Machado, e muitas delas estão disponíveis em versões online.
- Rubem Braga: Escritor exclusivo de crônicas, Rubem Braga é muitas vezes citado como a grande inspiração para o trabalho de diversos cronistas brasileiros. Com muito humor e ironia, o escritor se consagrou como uma grande referência do estilo no país.
- João do Rio: João do Rio é conhecido como um dos responsáveis pelo que é chamado de crônica moderna. Falando da vida carioca e das diferenças entre pessoas pertencentes a classes sociais distintas, João do Rio é um nome essencial da crônica do início do século 20.
- Cecília Meireles: A escritora, embora seja conhecida por suas poesias, é também um grande nome quando o assunto é a produção de crônicas que, devido ao seu estilo, abordavam temas sensíveis, como amor, morte e o eterno.
- Clarice Lispector: O trabalho da escritora ucraniana que viveu no Brasil é rico em crônicas sobre questões profundas da psique humana e suas epifanias.
- Mario Prata: Autor de livros como “Minhas Tudo” e “Diário de um Magro”, Prata é certeiro ao dosar críticas sociais, humor, análises comportamentais e históricas. Muito de seu trabalho está disponível online – uma curiosidade sobre o autor: quando o acesso à internet ainda era novidade, Prata foi visionário ao escrever um livro com a ajuda dos internautas, que podiam acompanhar a produção em tempo real, de um capítulo por dia, do livro “Os Anjos de Badaró”.
- Nelson Rodrigues: O polêmico escritor defendia a ideia de que a vida tem que ser retratada como, de fato, é. Além de romancista e contista, Nelson Rodrigues escrevia crônicas diretas, sem pudores, sobre a vida das pessoas – a série “A Vida Como Ela é” é um ótimo exemplo de produção televisiva em forma de crônica.
- Tati Bernardi: Considerando o cenário atual, a escritora Tati Bernardi é perita quando o assunto é crônica. Com base em suas próprias experiências amorosas, profissionais e de vida, a cronista é conhecida por não ter papas na língua e produzir textos cheios de ironias e humor.
Dicas para fazer uma boa crônica
Para escrever uma crônica interessante, é preciso que o autor esteja em contato constante com as notícias sobre o cotidiano – consumir notícias de veículos variados a respeito de educação, política, entretenimento, saúde, economia, entre outros assuntos, é sempre recomendável, especialmente se a intenção for escrever uma crônica.
Feito isso, é fundamental o uso de uma linguagem simples, como se estivesse falando com o leitor e, dependendo do tema escolhido, o uso de ironia, hipérbole, humor e metáforas também é apropriado.
Para sentir confiança e conforto na hora de escrever uma crônica, é importante ler diversos cronistas e acompanhar seus trabalhos. O Brasil é um país muito rico quando o assunto é crônica, então encontrar textos interessantes que fazem parte desse estilo, assim como bons autores, é uma tarefa bastante simples.
Exemplo de crônica
Uma noite com Rubem Braga
Mario Prata, Estadão, 01/09/1993
Muito difícil diferenciar uma crônica de um artigo, assim como o conto de uma novela e uma novela de um romance. Tem gente que diz que é uma questão de tamanho, de linhas.
Antigamente – mas não tão antigamente – existiam os verdadeiros cronistas brasileiros. A revista Manchete, em seus dias de glória – antes da fase (igualmente válida) de consultório dentário – mandava para a gente lá no interior de São Paulo, não um nem dois, mas quatro cronistas de primeiríssima – até hoje – linha. Como era bom esperar a chegada da revista com o Henrique Pongetti, o Paulo Mendes Campos, o Fernando Sabino e o maior de todos os cronistas brasileiros – bom páreo para o Nelson Rodrigues – o Rubem Braga.
Rubem Braga escrevia crônicas como quem bebia um copo de água. De um só gole. Refrescava a cabeça de todos nós. Estes quatro, mais o Nelson e o Sergio Porto (ou Stanislaw Ponte Preta) foram os mestres. Até hoje não surgiu ninguém igual a qualquer um deles. Mas o Rubem Braga, que me perdoem os demais, foi sempre o melhor.
Um dia, tive a oportunidade de conhecer o velho Braga. Samuel Wainer – fisicamente parecidíssimo com ele – levou-nos para uns – vários – copos no Pirandello, restaurante de grande badalação no começo dos 80. Eu fiquei ali, deslumbrado, diante daquelas duas sumidades. Lembro-me que Samuel estava dando uma cantada no Rubem Braga para que este escrevesse uma crônica semanal na Folha. Eu ali, ouvindo a conversa dos dois mestres de sobrancelhas desconsertadas, como se o vento estivesse sempre a brincar com elas e com eles. Eis que entra uma mulher feia. Feia não, horrível! Naquele tempo o Maschio exibia uns espelhos nas paredes do seu Pirandello. E não é que a mulher feia-horrorosa foi se admirar – durante alguns bons segundos – num daqueles espelhos, retocando o próprio olhar? Rubem Braga – isto é um cronista – não deixou por menos:
– Os espelhos deveriam refletir melhor antes de refletirem certas imagens!
Estendi imediata e tietamente o guardanapo de pano e pedi que ele escrevesse aquilo para mim e assinasse. E ele fez isso com carinho de pai para filho.
Depois conversamos sobre a morte – este fato ocorreu uma semana antes do Samuel morrer nos braços de uma dinamarquesa (mas isto é outra crônica e fica para outro dia). Eu dizia que falávamos sobre a morte, ou melhor, sobre a cremação depois da morte. E os três diziam que queriam ser cremados depois de morrer. Rubem Braga lembrou que, depois de vários dias que o Vinicius havia morrido (meses antes), descobriram um guardanapo onde ele manifestava o desejo de ser cremado. Mas já estava lá no São João Batista no Rio.
Levamos o Braga para o Othon Hotel e ele, meio sem jeito, meio criança fazendo arte, já fora do carro, ajeitando as melenas igualmente desgrenhadas, disse:
– Olha, para falar a verdade, aquele texto que eu te escrevi, eu não sei se é meu ou de um francês que eu traduzi. Paul Eluard. Ou Valery, não sei mais.
Mas eu guardei o guardanapo. Ainda fui tomar uma saideira com o Samuel num boteco qualquer e, naquela noite, ele me disse duas coisas que eu nunca esqueci. Primeiro, que ele tinha mesmo nascido na Bessarábia e não era brasileiro (já era tempo de alguém escrever isto em algum lugar). E a outra coisa é que, quando ele fundou a Última Hora, em 51, o seu diagramador, um argentino chamado Guevara, sugeriu dar o tom azul ao logotipo do seu jornal.
– Mas pode isso? perguntou Samuel.
– Pode. Vai ser azul, como os seus olhos.
Anos depois, esta história sairia no livro autobiográfico dele, reescrito num tom de texto de revista Veja, sem nada do linguajar gostoso do velho amigo e mestre Samuel Wainer.
Tudo isto me vem à cabeça numa hora, Samuel, que aqui estou eu a fazer crônica no Estadão, ao lado da sua eterna Danuza (continua linda e escrevendo tão gostosamente que os seus olhos azuis iriam chorar, como sempre choraram tão facilmente).
E não é que o Estadão está colocando um azul no logotipo do jornal? Não lembra os seus olhos – é um azul mais marinho. Mas me faz ficar com saudades de você. Você que lançou tantos cronistas com seus olhos azuis, sua sobrancelha sem direção e seus óculos eternamente levantados em cima da cabeça. Como se você visse com o cérebro e escrevesse com o coração. Tudo azul por aqui.
P.S.: esqueci de dizer que o Rubem Braga me disse que crônica é contar um caso e artigo é explicar o caso. E que escrever é uma profissão como outra qualquer.