Antropofagia é o nome dado a uma espécie de ato ritualistico de ingerir uma parte ou várias partes de um ser humano. Os povos que praticavam a antropofagia comiam os corpos dos adversários tornados prisioneiros. Eles acreditavam que iriam apreender as habilidades, força e virilidade de seus inimigos. A antropofagia, portanto, era parte da cultura destes povos.
A antropofagia, pratica restritamente humana, que possui um contexto mágico e ritualístico, não deve ser confundida com um hábito alimentar, que é o caso do canibalismo, termo que, inclusive, está associado ao comportamento predatório de uma série de espécies animais. É muito comum observar estes dois termos, antropofagia e canibalismo, serem tratados como sinônimos, mas eles não são.
Evidencias de práticas antropofágicas foram encontradas ao redor de todo o mundo: África, América do Sul, América do Norte, ilhas do Pacífico Sul e nas Caraíbas (ou Antilhas). Em contrapartida, não se tem provas de que teria existido alguma comunidade primitiva (de seres humanos) que praticasse o canibalismo, ou seja, que se alimentasse de outros homens meramente em função da sobrevivência alimentar, sem nenhum tipo de ritual ou prática de cunho mágico.
- O movimento antropofágico
O movimento antropofágico foi uma manifestação artística brasileira da década de 1920, que envolveu muitos artistas e intelectuais da época, como Mario de Andrade, Tarsila do Amaral, Villa-Lobos e Raul Bopp. Foi fundado e teorizado por Oswald de Andrade, com a publicação do Manifesto Antropofágico, a fundação do Clube de Antropofagia e a Revista de Antropofagia.
O Manifesto Antropofágico reelabora o conceito de antropofagia, numa apropriação que metaforiza a formação da cultura brasileira. Nossa ancestralidade antropófaga teria nos dado a capacidade de “devorar” culturas estrangeiras para produzir (ou “vomitar”) algo legitimamente brasileiro. Era um pensamento que procurava combater a antiga prática de “produção artística de cópias” que era tendência no período colonial e na arte brasileira acadêmica do século XIX e XX.
Talvez um dos maiores ícones do movimento antropofágico tenha sido a obra Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1928) de Mario de Andrade. Macunaíma traz toda a história da mestiçagem brasileira no menino que nasceu índio, cresceu negro e ficou branco; e em cada etnia se mostrou um homem acomodado, preguiçoso e egocêntrico”.
- O legado do Movimento Antropofágico
A antropofagia como processo artístico, literário, produtor de conhecimento a partir do “devorar” a cultura do outro e “vomitar” algo novo foi um pensamento que ganhou força no Modernismo, principalmente após a Semana de Arte Moderna de 1922. Mas o movimento começa a enfraquecer nos anos de 1940.
No entanto, deixou sua marca na história da cultura brasileira, inclusive no cinema. A adaptação fílmica Macunaíma, veiculada em 1969, já seguia a tendência de crítica social, comum no cinema da época, mas mantém a estrutura básica do romance de Mario de Andrade
O diretor Joaquim Pedro de Andrade, retira parte do humor e da exaltação ao “herói sem nenhum caráter” para reinventar a antropofagia como um processo predatório, destrutivo e presente em toda a hierarquia social brasileira. Nessa perspectiva, teríamos uma sociedade cuja sina é a autofagia até o completo desaparecimento.
Outro filme do mesmo período que também usa a antropofagia como crítica social é Como era gostoso o meu francês (Nelson Pereira dos Santos, 1971), que tem como referencia o diário do alemão Hans Staden, publicado em 1557 com o título Viagem ao Brasil. Staden foi capturado pelos índios tupinambás e escapou de ser devorado em um ritual antropofágico. O livro/diário relata sua perspectiva acerca dos costumes indígenas.
Como era gostoso o meu francês, no entanto, conta as aventuras e infortúnios de um personagem fictício, o francês Jean que, confundido com um português, é capturado pelos índios tupinambá e tratado com todas as honras de um inimigo prisioneiro a ser devorado. O filme satiriza registros históricos e leva ao Brasil do século XVI os problemas enfrentados pelo Brasil dos anos de 1970, numa espécie de alegoria política.
Talvez para nós, brasileiros, o termo antropofagismo tenha um significado peculiar, que remete à nossa capacidade de reinventar cultura, história, cinema, assim como perdas e sofrimentos, assim como uma capacidade de reinventar e de inovar a nós mesmos.