Alguma vez, você já ouviu falar de um cachorro que foi considerado “santo”? Parece uma das histórias do personagem “Chicó”, do clássico Auto da Compadecida, porém ‘Guinefort’ foi um cão lendário que se tornou um ‘mártir’ folclórico na França no século XIII.
Ele era um galgo que, depois de morrer (por ter sido sacrificado pelo dono), foi enterrado em um lugar que acabou se tornando especial.
As pessoas começaram a visitar o local, pois acreditavam que o animal tinha poderes milagrosos e o consideravam um santo, mesmo sem a aprovação oficial da Igreja.
Qual é a história de Guinefort?
A história de Guinefort aconteceu na região de Villars-les-Dombes, perto de Lyon, na França. Guinefort era um cão galgo muito leal e protetor, pertencente a um cavaleiro.
Tudo começou quando o cavaleiro voltou para casa e encontrou o berço de seu filho recém-nascido revirado e o bebê desaparecido. O cão, com o focinho ensanguentado, se aproximou do dono, que, em um momento de raiva e desespero, interpretou mal a situação.
Acreditando que o cão havia atacado a criança, o cavaleiro matou Guinefort com sua espada. Logo depois, porém, ele ouviu o choro do bebê e descobriu que ele estava ileso, ao lado de uma cobra morta. Foi então que o cavaleiro percebeu que o cão havia, na verdade, protegido o bebê do ataque da cobra.
Arrependido por ter matado seu fiel companheiro, o cavaleiro decidiu enterrar o corpo do cão em um poço, cobrindo-o com pedras e plantando árvores ao redor para criar uma espécie de túmulo.
Proibição do culto ao ‘Santo Guinefort’
A notícia do sacrifício de Guinefort se espalhou pela região, e os moradores passaram a venerar o cão como um protetor das crianças. Mães levavam seus bebês doentes ao local para rezar e pedir pela saúde dos pequenos, acreditando que o espírito de Guinefort poderia curá-los.
Apesar da devoção popular, a Igreja não aceitava a ideia de um cão ser considerado santo, vendo isso como uma superstição. Em 1262, o inquisidor dominicano Esteban de Borbón foi enviado à região de Dombes para investigar o culto a “São Guinefort”.
Ele ficou surpreso ao descobrir que os camponeses veneravam um cão como santo e realizavam rituais que considerava pagãos. Em sua obra Tractatus de diversis materiis praedicabilibus, Borbón descreveu detalhadamente o culto e o condenou como herético.
Ele ordenou a destruição do local de veneração, exumou os restos de Guinefort e proibiu qualquer forma de devoção ao cão.
No entanto, apesar de seus esforços, o culto ao animal persistiu por séculos, especialmente nas comunidades rurais que mantiveram viva a tradição oral. Ainda no século XIX, antropólogos franceses documentaram a continuidade dessa devoção na região.