Quem nunca ouviu a famosa frase de que “andar de bicicleta é algo que nunca se esquece”? E, de fato, parece ser verdade. Mesmo após anos sem pedalar, o corpo parece lembrar naturalmente do equilíbrio e do movimento.
Um estudo recente da Universidade de Harvard, liderado pelo professor Maurice Smith, afirma que a explicação está na forma como o cérebro armazena diferentes tipos de informações, separando memórias de fatos e eventos das habilidades motoras aprendidas.
Por que nunca esquecemos como andar de bicicleta?
Há décadas, neurocientistas descobriram que lesões no lobo temporal medial (LTM) afetavam gravemente a memória declarativa (como lembrar nomes e fatos), mas preservavam a memória de curto prazo.
Pacientes com essa condição conseguiam manter uma conversa, mas minutos depois não lembravam que ela havia acontecido.
Curiosamente, no entanto, eles ainda eram capazes de aprender e reter habilidades motoras, como andar de bicicleta, por longos períodos, sugerindo que essas memórias são armazenadas em áreas diferentes do cérebro.
Mas onde exatamente as memórias motoras de longo prazo se formam?
O papel do cerebelo
Conforme pesquisadores da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard (SEAS), a resposta está no cerebelo, uma região do cérebro essencial para o controle do equilíbrio e da coordenação motora.
Eles descobriram que essa estrutura não só regula movimentos, mas também consolida memórias de habilidades motoras, como pedalar.
O cerebelo atua como uma “porta de entrada” que estabiliza essas memórias, transformando ações aprendidas em respostas automáticas e duradouras.
Essa descoberta, publicada na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS), ajuda a entender melhor como o cérebro processa e armazena diferentes tipos de memória, abrindo caminho para novos estudos sobre reabilitação neurológica.
Como o estudo foi feito?
Os autores buscaram esclarecer o papel do cerebelo na formação de memórias motoras de curto e longo prazo, partindo de resultados inconsistentes em pesquisas anteriores com pacientes que apresentavam lesões nessa parte do cérebro.
Embora essas análises já tivessem demonstrado prejuízos na aprendizagem sensório-motora, a magnitude desses efeitos variava significativamente.
Os pesquisadores Smith e Hadjiosif levantaram a hipótese de que essas discrepâncias poderiam estar relacionadas ao intervalo de tempo entre os testes, chamado de “janela de memória”.
Eles sugeriram que danos cerebelares afetariam especificamente a memória de longo prazo, tornando os resultados mais sensíveis a pausas prolongadas entre as tentativas.
Diferenças no tempo entre os testes
Para testar essa ideia, a equipe analisou dados brutos de dois estudos anteriores, nos quais os intervalos entre os ensaios nem sempre eram explicitamente relatados.
Eles observaram que, quando os testes eram realizados em sequência rápida, pacientes com degeneração cerebelar apresentavam apenas pequenas deficiências em comparação com indivíduos saudáveis.
Contudo, ao identificar momentos em que os intervalos entre as tentativas eram maiores (como pausas para ajustes ou descanso), os pesquisadores notaram um desempenho muito pior nesses pacientes.
Assim, o estudo concluiu que o cerebelo atua de forma expressiva na retenção de memórias motoras ao longo do tempo.
Além disso, demonstrou como a reanálise de dados existentes, sob uma nova perspectiva, pode resolver contradições e avançar o entendimento sobre os mecanismos de aprendizagem e memória.