A variedade linguística encontrada nas Américas é única, superando outros continentes. Mas os primeiros norte-americanos falavam qual língua?
Para responder isso, precisamos recorrer às investigações sobre os antepassados dos atuais norte-americanos.
Análises genéticas anteriores indicavam que esses povos deixaram a Sibéria e atravessaram a Beringia — uma conexão terrestre entre a Ásia e o atual Alasca — há cerca de 25 mil anos.
Contudo, os registros mais arcaicos de ocupação humana na América do Norte têm aproximadamente 15 mil anos.
Para resolver essa diferença cronológica, cientistas reconstituíram o ambiente da Beringia antiga.
Durante perfurações no Mar de Bering, amostras de sedimentos foram coletadas, revelando fósseis de plantas e pólen de um ecossistema florestal. Os pesquisadores sugerem que esse habitat teria sido adequado para a vida humana.
Com a presença de gelo em grande parte do Alasca, é proposto que os antepassados dos nativos americanos possam ter habitado a Beringia por cerca de 10 mil anos antes de migrarem para outras regiões.
Sabendo disso, é possível rastrear os dialetos falados pelos primeiros povos da América do Norte e estabelecer uma árvore genealógica linguística.
Qual é a língua falada pelos primeiros norte-americanos?
Em um estudo pioneiro, a linguista Johanna Nichols, da Universidade da Califórnia, Berkeley, realizou uma análise comparativa das características semânticas de 60 línguas norte-americanas distintas.
A pesquisa abrangeu a diversidade linguística e geográfica do continente, focando em 16 características estruturais linguísticas que são indicadores de famílias, áreas ou tipos linguísticos.
Entre as características examinadas estavam os substantivos de gênero, classificadores numerais e pronomes nm, que diferenciam as formas da primeira e segunda pessoas do singular.
Nichols conseguiu vincular a origem de todas as línguas estudadas a duas populações fundadoras.
A primeira, identificada pela presença de pronomes nm, surgiu na costa oeste da América do Norte após duas migrações siberianas que ocorreram há 24.000 e 15.000 anos.
Esses grupos se estabeleceram na Califórnia e no Oregon durante um período de glaciação que impedia o assentamento humano ao norte do rio Columbia.
A segunda população fundadora, caracterizada pela polissíntese, emergiu em comunidades do interior após a formação de um corredor sem gelo há cerca de 14.000 anos, influenciando as línguas da cultura Clovis.
A interação desses grupos com uma quarta onda migratória siberiana, há aproximadamente 12.000 anos, resultou em uma nova família linguística, distinta das línguas da Califórnia e do Oregon, que se tornou predominante entre os primeiros habitantes do Pacífico Noroeste.
Nichols conclui que as estruturas linguísticas das populações fundadoras siberianas continuam a influenciar a distribuição das línguas norte-americanas modernas, refletindo os eventos glaciais antigos que moldaram as rotas de migração para o continente.
Pesquisas semelhantes
Outro estudo publicado na PLOS ONE, que utilizou análise de “big data”, indica uma complexa rede de migrações e contatos entre as primeiras populações das Américas, refletida na singular diversidade linguística do continente.
Com um número significativamente maior de línguas isoladas do que em outros continentes, a América apresenta um cenário linguístico único que sugere a existência de línguas extintas e não documentadas.
A análise dos autores Mark Sicoli e Gary Holton propõe que Beringia não foi apenas uma rota migratória, mas um lar duradouro para humanos durante a última era glacial, influenciando migrações subsequentes para a América do Norte e de volta para a Ásia.
A investigação destaca a importância de Beringia na história humana e linguística, apoiada por dados ecológicos, genéticos e arqueológicos, e sugere que as línguas Na-Dene e Aleutas foram moldadas por dialetos agora extintos durante sua migração para a costa do Alasca.