Demissão sem justa causa: STF tem três meses para julgar fim da medida

Supremo deve analisar o processo que questiona a retirada do Brasil de convenção internacional. Decisão é aguardada há mais de duas décadas.

Uma pauta que se arrasta há 25 anos no Supremo Tribunal Federal deverá ter um desfecho ainda neste trimestre. Trata-se do julgamento sobre a convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe a demissão do trabalhador sem “causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa”.

O assunto voltou à tona recentemente, inclusive com repercussão nas redes sociais, por conta das alterações nas regras do STF, que em dezembro passado estipulou o prazo de 90 dias para devolução de pedidos de vista – quando ministros indicam que precisam de mais tempo para analisar determinado caso.

Com a decisão da presidente do Supremo, Rosa Weber, julgamentos antigos como este, iniciado em 1997 sob o governo FHC, não poderão mais ficar suspensos por tempo indeterminado nem engavetados por décadas à espera do magistrado.

Decorridos os três meses regimentais, o processo será automaticamente liberado para retomada do julgamento. A ação tem, até o momento, oito votos e três entendimentos diferentes na Corte.

O assunto é visto como complexo mesmo por especialistas porque o que está em discussão não é originalmente a demissão do trabalhador, e sim uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 1.625) sobre o decreto do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que retirou o Brasil da Convenção 158 da OIT. Confira os principais detalhes a seguir e saiba como está o placar de votação.

Tramitação: como está a votação no STF?

A atualização mais recente do processo foi registrada em novembro de 2022, quando a ADI foi analisada em plenário virtual do STF e suspensa por tempo indeterminado, dado o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

O caso tramita no Supremo há tanto tempo que não admite votos de substitutos e registra os de ministros aposentados, como Joaquim Barbosa e Nelson Jobim, e falecidos, como Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em 2017.

As decisões seguem válidas e impedem que novos magistrados votem, caso de ministros como Luiz Fux, Cármen Lúcia e Roberto Barroso.

Três ministros – Barbosa, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski – entendem que a retirada do Brasil da Convenção 158 da OIT é inconstitucional e não pode ser decidida somente pelo presidente da República.

Outros três – Jobim, Zavascki e Dias Toffoli – entendem que o decreto presidencial que retirou o país da convenção internacional é válido. Os últimos dois, no entanto, ressaltam que a autorização do Congresso para revogar a ratificação de acordos internacionais é necessária, mas deve valer apenas para casos futuros, e não retroativos.

Um terceiro entendimento ainda está presente na corte. O relator do processo, Maurício Corrêa, e o ministro Ayres Britto (ambos desligados) já haviam defendido que a revogação do decreto deve ser respaldada pelo Congresso, a quem cabe decidir pela derrubada ou não do decreto de FHC.

Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça são os votos restantes e aguardados ainda para o início de 2023.

Linha do tempo: STF quer proibir demissão sem justa causa?

Vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), a OIT tem o Brasil como um dos membros fundadores, com representação desde a década de 1950.

Em 3 de novembro de 1985, entrou em vigor a chamada “C158 – Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador”, aprovada na 68ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, com o seguinte texto:

C 158 da OIT
Reprodução: C158 – Organização Internacional do Trabalho

 

Sete anos depois, a medida foi tema do decreto legislativo nº 68/1992, do Congresso Nacional, passando a valer oficialmente apenas em janeiro de 1996. Em dezembro do mesmo ano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cancelou, via decreto, a adesão brasileira à Convenção 158.

Por fim, no ano seguinte, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) ajuizou no STF o que volta a ser discutido neste trimestre: a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 1625) que questiona a legalidade do decreto assinado por FHC sobre a Convenção (C158).

ADI 1625 e C 158: o que dizem analistas e entidades?

A demissão sem justa causa garante ao trabalhador direito ao saldo de salário, férias (vencidas e proporcionais), 13º e aviso prévio, além da multa de 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, e do seguro-desemprego.

O que os ministros voltam a discutir, ao menos neste momento, não diz respeito à modalidade justa causa, e sim à ADI proposta pela central sindical em 1997 questionando a retirada unilateral do Brasil do acordo internacional.

Ainda que a votação retomada pelo STF não seja propriamente sobre desligamento com ou sem justa causa, é consenso que a decisão poderá afetar futuramente o dia a dia de empregados e empregadores.

“A legislação brasileira não permite que um presidente revogue um tratado internacional sem a manifestação do Congresso Nacional, que tem a competência constitucional exclusiva para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais”, destaca a Central Única do Trabalhadores (CUT).

“Qualquer desligamento acaba se sujeitando à confirmação da Justiça, o que contribui para o aumento do conflito. A convenção instaura um procedimento tão burocrático e oneroso que apenas 35 países a ratificaram. E em muitos destes predominam elevadas taxas de informalidade”, enfatiza o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional Indústria (CNI), Alexandre Furlan.

Especialistas apontam uma série de desdobramentos possíveis, também sem consenso definitivo. Um dos pontos mais abordados é que, seguindo a legislação brasileira e a Convenção, a empresa poderá continuar demitindo unilateralmente, mas com a obrigatoriedade de evidenciar o motivo do desligamento ainda que ele não se configure oficialmente como “justa causa”.

O próprio uso dos termos tem gerado debates. “O fato de o texto da convenção usar a expressão ‘justificar’ é que talvez tenha causado confusão [com a ‘justa causa’ da legislação trabalhista brasileira]”, destacou à BBC News a professora da PUC-SP e sócia do escritório Abud Marques Sociedade de Advogadas, Fabíola Marques.

“Eles [ministros] podem dizer que a medida vale, por exemplo, dos últimos cinco anos para cá, dos últimos dois anos para cá ou só daqui pra frente”, acrescenta.

Até o fechamento desta matéria, o único consenso entre analistas é que somente o tempo (e a conclusão dos votos no STF) revelarão os próximos cenários. Com a ação ainda em tramitação, todas as análises até o momento são especulativas, de modo que não é possível prever, ao certo, os desdobramentos de decisão favorável à ação de inconstitucionalidade.

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