Servidores públicos e trabalho remoto: como está sendo a experiência

Como manter a rotina e a produtividade em tempos de coronavírus? Entrevistamos servidores públicos para saber como estão se adaptando à rotina de home office.

As coisas tomaram proporções inimagináveis de um mês para o outro. 20 de março de 2020 foi o dia em que o Senado Federal oficializou o pedido para reconhecer o estado de calamidade pública em razão do novo coronavírus. Muitas pessoas, desde então, tiveram que se adaptar à rotina de home office para evitar aglomerações e contágios em massa. Com o objetivo de entender o contexto dos servidores públicos e trabalho remoto, a equipe do Concursos no Brasil entrevistou quatro profissionais que tiveram que se adaptar às novas e excepcionais condições.

É importante frisar que o teletrabalho já vinha sendo implementado por diversas empresas nacionais, ainda mais quando as demandas não exigiam o deslocamento para o escritório. Algumas pessoas passaram por essa transição e, com o tempo, sentiram-se à vontade para executar as funções da sua maneira e num cantinho da própria casa.

Já outras não conseguem se adaptar e preferem manter a rotina presencial. Cada pessoa encara o assunto de uma maneira específica. O problema é que a situação de pandemia fez com que muitos servidores públicos não tivessem tempo para assimilar a ideia. Eles estão conseguindo manter a rotina e a produtividade em tempos de coronavírus?

Acompanhe o artigo completo e entenda a problemática na ótica de concursados. Não se esqueça de conferir outros conteúdos de nosso site, como artigos e simulados. Temos certeza de que existe um material feito especialmente para você!

Adaptação ao trabalho remoto

Silvia Sandri, de 45 anos, entende a importância do trabalho em equipe desde sempre. “Não vivemos sozinhos no mundo”, começa. Ela nasceu na cidade de Não-Me-Toque, no Rio Grande do Sul, e passou três meses estudando com uma apostila cheia de erros.

Seu objetivo era passar no concurso do Ministério Público Federal e a ideia surgiu quando um de seus chefes a incentivou a pleitear a vaga de Técnico Administrativo na cidade de Palmas, Tocantins.

A chamada para os convocados aconteceu em 1996. Na época, a pós-graduada em Direito Processual Civil já estava morando no interior do estado do Tocantins com os seus pais agricultores. Eram apenas 14 oportunidades no concurso e ela, com muito esforço, conseguiu ficar na décima colocação.

Silvia queria morar na capital tocantinense e a sua aprovação caiu como uma luva para os seus objetivos de longo prazo. Com o passar do tempo, percebeu que o trabalho estaria vinculado ao gabinete de Procurador da República em regime de sete horas diárias. “A minha rotina sempre foi registrar o ponto às 9h da manhã. Eu almoço e lancho lá. À noite, sobrava um tempinho para ir à academia”.

Tudo ia bem e dentro do esperado... Até o surto de coronavírus tornar-se realidade nacional. Mesmo com uma portaria estabelecendo regras para o teletrabalho, a situação pegou todos os servidores do MPF de surpresa.

“No início, estávamos todos perdidos, sabe? Eu não estava acostumada com o teletrabalho. Cada setor teve que criar as suas regras por meio de grupos no WhatsApp. Mas fomos nos adaptando com o tempo, mesmo sem muita orientação da parte administrativa”, Silvia explica. “Nós, do gabinete, decidimos seguir o horário de sempre para facilitar a nossa comunicação. Precisamos atender as demandas e não deixar de produzir e, no meu caso, são peças processuais com prazos que precisam ser cumpridos”.

Alberto Vicente trabalha como Técnico Administrativo na Universidade de Feira de Santana, no estado da Bahia, e também sentiu o impacto da mudança no seu dia a dia. Ele disse que o trabalho em casa é mais “demorado” do que no campus por conta de outros afazeres cotidianos, já que ele mora com os seus familiares.

O servidor de 41 anos sente falta do contato com as outras pessoas e isso, de uma maneira ou de outra, acabou influenciando no seu estado de espírito. “Às vezes, a gente batia papo, tomava café e trocava experiência com os colegas”, ele mencionou. Alberto normalmente trabalha com cinco pessoas em uma sala aberta, sem divisões. O contato com seus colegas de trabalho influenciava no humor rotineiro e ele sentiu que essa foi a “maior diferença perceptível”.

No entanto, em termos práticos, o seu trabalho fluiu bem em razão do compartilhamento de materiais por e-mail e as interações por grupos e contatos do WhatsApp. Particularmente, Alberto organiza suas tarefas com o Trello, mas essa não é uma ferramenta adotada oficialmente pela instituição. “Também uso o Google Drive, Skype e agenda pessoal [física e digital]”.

Dificuldades nos primeiros momentos de home office

O trabalho remoto pode ser desafiante em determinados contextos. As circunstâncias inerentes de cada cargo influenciam muito em como vai ser a experiência de home office. Em Goiânia, no estado de Goiás, Roberta Tristão tem 55 anos e é assistente no setor jurídico da Caixa Econômica Federal há aproximadamente 30 anos.

Seu trabalho passou por muitas mudanças ao longo do tempo, especificamente sobre o modus operandi. “Era só no papel quando comecei. No entanto, depois da licença-maternidade, as coisas mudaram muito. Já cheguei com um novo sistema implementado. O ano era 1995. Imagine só? Foi tudo diferente a partir de então”.

Naquela época, o primeiro sistema digitalizado da Caixa estava sendo implementado. Mal imaginava Roberta que essa mudança seria a primeira de muitas. No entanto, apesar dos momentos iniciais de adaptação, ela conseguiu superar as barreiras e aprendeu a lidar com as novas circunstâncias.

A grande questão girou em torno do home office, já que Roberta teve dificuldade em acessar o sistema diretamente de sua máquina. A Caixa precisou fornecer os equipamentos necessários para que ela pudesse manter o ritmo em casa.

“A Caixa agiu muito bem com o problema da pandemia. Eles decidiram pelo trabalho home office e, pela necessidade, liberaram os computadores para todo mundo. Afinal, é muito complicado acessar o sistema pelo meu computador e ‘tirar as coisas de lá’. Tive que assinar muitos papéis de autorização para levar os equipamentos, mas não tinha outra opção”, comenta.

Além disso, outra complicação estava diretamente relacionada com um espaço adequado para colocar o computador. “Está sendo complicado porque eu não tenho escritório em casa. As garras que seguram o monitor são próprias para aquelas mesas e são pesadas. Cada dia eu tenho que trocar as coisas de lugar. Não tenho mesa, cadeira e nem local apropriado para colocar o material. Está tudo muito improvisado”, Roberta diz.

Entretanto, de qualquer maneira, a servidora recebeu suporte nos eventuais problemas que iam surgindo. Hoje, ela pode afirmar que está se adaptando na medida do possível. “Hoje mesmo (03/04), eu tive problemas com dois sistemas. Chamei meu chefe do setor administrativo e ele fez tudo o que estava à sua disposição. Ele disse: ‘me dá o controle da sua tela para te ajudar’”.

Em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, o servidor e programador Adriano Barreto, de 32 anos, também está passando por dificuldades. Os problemas, entretanto, são outros.

“O órgão público deixou que a chefia de cada departamento definisse como seria feito o trabalho remoto. No nosso caso, a jornada é igual se estivéssemos no escritório. O horário sempre foi muito tranquilo e eu meio que já estava adaptado ao home office nesse sentido. Afinal, eu trabalho com metas, né? Eu sou programador e cumpro as demandas que me pedem. Fazendo isso já é tranquilo. Meu grande problema com o home office é o foco”, Adriano relata.

O servidor mora com a esposa e sua filha de 14 anos. Ele menciona que não consegue se manter focado durante o tempo de serviço. “Sempre te chamam para alguma coisa envolvendo a casa. Eu não consigo me isolar e trabalhar dentro do meu horário. Sempre tem algo para fazer. É ótimo porque eu não preciso pegar o ônibus lotado para chegar às 9h e eu não preciso acordar tão cedo. No entanto, existem outras dificuldades”.

Como os servidores públicos estão lidando com a nova rotina de trabalho remoto?

Roberta Tristão [foto] dedica a tarde para trabalhar e faz outras coisas ligadas à família nos períodos da manhã e da noite. Foto: arquivo pessoal

Por mais que o relógio marque as horas, os minutos e os segundos, o tempo tende a se tornar mais psicológico do que qualquer outra coisa. Você já reparou em como o minuto do micro-ondas parece durar mais do que os últimos 60 segundos antes do celular acionar o despertador?

Por isso mesmo, o trabalho em casa pode ser vivenciado de um jeito completamente diferente. Alberto Vicente sente isso ao longo de sua jornada como home officer e, por um momento, percebe uma “dimensão temporal” bem diferente da que estava acostumado.

"Ficar em casa é outra dimensão temporal. Tenho me disciplinado para seguir o mesmo plantão que cumpro no presencial, pois confesso que, às vezes, extrapolo um pouquinho do meu horário e vou além. Afinal, gosto de fazer caminhadas diárias e passear com o meu cachorrinho e, se eu não me policiar, perco o momento de realizar essas atividades, que são também necessárias. No home office, tem dias que o tempo passa um pouco diferente”, reflete

Roberta sempre tinha o hábito de conversar com todas as pessoas que passavam pelo seu caminho, desde o momento em que saía de casa até o instante em que chegava ao departamento jurídico.

Além disso, a sensação era a de deixar os problemas em casa para se dedicar exclusivamente ao seu trabalho no escritório. “Eu converso demais. Dou ‘bom dia’ do office boy ao chefe do departamento... Não tem essa comigo não. Quando eu ia trabalhar na empresa, eu deixava os meus problemas aqui [em casa]”, comenta. “Quando subia na escadinha da Caixa, estava indo trabalhar porque eu precisava dar o meu melhor. Eu sou esse tipo de pessoa”.

No entanto, agora, Roberta Tristão é obrigada a levar o trabalho para dentro de casa e as coisas podem se confundir um pouco. A sua solução foi separar “as suas duas vidas” da melhor maneira possível e dentro dos seus limites. Ela dedica a tarde para trabalhar e faz outras coisas ligadas à família nos períodos da manhã e da noite. "Essa semana  agora foi melhor... Nesse sentido, tá bem resolvido na minha cabeça. São rotinas diferentes. Mas as primeiras semanas foram difíceis. É como se a gente estivesse preso, não é? Tá todo mundo preso".

Já Silvia Sandri tentou manter uma rotina que a deixasse mais saudável e que, ao mesmo tempo, tivesse alguma relação com o seu dia a dia. A servidora já tinha o costume de ir à academia antes do isolamento social e permaneceu fazendo exercícios físicos para manter-se em atividade.

“Caso contrário, você acaba dormindo o dia todo e troca o dia pela noite. Um dia, isso vai voltar ao normal. E como a gente fica? Eu faço exercícios com base num programa de atividades, incluindo 30 minutos de escada. Depois disso, me sinto mais suave e pronta para trabalhar”, Silvia aconselha.

Preocupações, família e saudades

Ao longo do estado de calamidade pública, mesmo que indiretamente, consumimos uma grande quantidade de informações sobre o aumento da pandemia. Algumas pessoas conseguem filtrar o assunto para não se deixar levar pelo desespero. Entretanto, a sensação de estar preso e de “mãos atadas” varia de contexto para contexto.

O isolamento social faz com que a gente tenha que encarar pensamentos desanimadores e preocupações diretamente ligadas à família. Como administrar tanta coisa ao mesmo tempo e ainda ser produtivo no trabalho remoto?

Adriano Barreto tenta não “pensar demais”, ainda mais quando está no horário de serviço. Ele tem plena consciência da situação e sabe que não dá para correr do problema, mas sente que é necessário separar as coisas.

“Eu não posso ficar pensando demais, se não nem trabalhar eu consigo. Tanto minha filha quanto minha esposa têm asma e estão no grupo de risco. Eu não saio de casa porque tenho muito medo de passar alguma coisa para elas. Essa é a minha maior preocupação”, o servidor comenta. “Que tudo se resolva da melhor forma possível. Vivemos uma situação muito séria. Se por um lado a economia está sofrendo, por outro, o sistema de saúde pode entrar em colapso”.

Alberto Vicente também se sente um pouco apreensivo com o cenário atual. Isso porque a sua mãe é idosa e continua trabalhando: “Ela tem 63 anos e não fechou lá, sabe? Tá trabalhando com o marido. A gente fica com medo porque afeta a todos nós. Eu gosto de sair e caminhar. Sinto falta disso. Mas vai passar, vai passar. Se Deus quiser, em breve. Se Deus quiser”.

Silvia Sandri também não deixa de se preocupar com os seus pais, que são idosos e se enquadram no grupo de risco. Ela faz questão de ligar constantemente para saber como eles estão. “Agora, eu não me preocupo muito com a minha filha, que mora em Goiânia. Ela é até mais consciente do que eu [risos]. O meu outro filho mora aqui comigo, sabe? Então, tá tudo bem. O que a gente não pode fazer é ficar parado”.

E aconselha: “A vida continua. A nossa vida não parou e nem pode parar. Recebi orientações da minha psicóloga para não ficar vendo muitos noticiários. Eu li apenas o essencial sobre como me proteger e, depois, parei de ver notícias. Prefiro assim”.

Roberta também frisa que o momento não pode passar desapercebido, mas é importante viver um dia de cada vez. “Eu penso assim, não é? Cada dia pode acontecer uma coisa diferente. A vida é feita de momento. Sei que têm pessoas em casas pequenas e sem outro lugar para ir, mas precisamos trabalhar com as nossas possibilidades. Não temos outras”, aconselha.

Além disso, Roberta aproveitou a oportunidade para mencionar uma história de vida que a deixou inspirada. “Meu colega de trabalho é solteiro, mora sozinho, tem mais de 30 anos e perdeu o filho aos 26. Aí, quando foi pra home [office], decidiu ir direto para a casa dos pais. Ele queria passar mais tempo com eles, porque não sabia o que viria a acontecer. Preferiu aproveitar o máximo. Eu sempre falei isso para minhas três filhas, não é? Daqui a pouco, elas saem de casa e o que vamos ter? Temos que viver esses momentos mais do que nunca”, conta.

Como percebemos, cada uma tem o seu jeito de lidar com as adversidades que a vida nos impõe. Mas, e você? Como está sendo a sua experiência em tempos de coronavírus? Compartilhe a sua história conosco! 

Explore:

Bruno Destéfano
Diretor de redação
Nasceu no interior de Goiás e se mudou para a capital, Goiânia, no início de 2015. Seu objetivo era o de cursar Jornalismo na UFG. Desde o fim de sua graduação, já atuou como roteirista, gestor de mídias digitais, assessor de imprensa na Câmara Municipal de Goiânia, redator web, editor de textos e locutor de rádio. Escreveu dois livros, sendo um de ficção e outro de não-ficção. Também recebeu prêmios pela produção de um podcast sobre temas raciais e por seu livro-reportagem "Insurgência - Crônicas de Repressão". Atualmente, trabalha como redator web no site "Concursos no Brasil" e está participando de uma nova empresa no ramo de marketing digital.

Compartilhe